terça-feira, 27 de maio de 2008

O método clínico na construção do conceito: da nosografia à etiologia

Do tipo clínico ao caso único foi um subtítulo dado ao XV Encontro Internacional do Campo Freudiano (2007), que corresponde a uma orientação do método psicanalítico na condução do tratamento. Um pouco mais além do sintoma, mais além do pai, temos uma orientação que se dirige do particular a singularidade do caso único. Trata-se de um modo de gozo irredutível ao campo do sentido, uma père-version (versão do pai).
Já em relação à teoria, que em psicanálise advém da clínica, o método de construção dos conceitos parte de uma nosografia a uma etiologia. Em outras palavras, do caso único a uma generalização. Trata-se da descrição dos fenômenos à sua explicação. Talvez seja por isso que se diz: Freud explica. A nosografia é a descrição das doenças, enquanto a etiologia a explicação de suas origens. No caso da psicanálise, a etiologia tem como princípio a noção de causalidade psíquica e a sexualidade exerce um papel fundamental na construção de uma nosologia. Esse é um método que pode ser observado no trajeto de Freud em direção a construção do conceito de inconsciente.
Num primeiro momento Freud descreve o funcionamento da histeria. Sua estada em Paris, no inverno de 1885, desperta esse interesse, já que é o próprio Charcot quem demonstra que nos sintomas da histeria, da neurose maior, há uma regularidade, um modo de funcionamento. Trata-se então de realizar uma nosografia da histeria. Em última análise, é esse um dos objetivos de Freud e Breuer nos Estudos sobre a Histeria (1893-1895). O texto Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos, a famosa Comunicação preliminar (1893), ilustra bem o primeiro momento em direção a construção do aparelho psíquico. Trata-se nesse texto de descrever os mecanismos da histeria, traçar a sua nosografia.
O segundo momento da construção teórica, que mais tarde irá culminar na construção da primeira tópica, é marcado pelo texto As neuropsicoses de defesa (1894). O conceito de defesa, aliado ao papel da sexualidade na formação das neuroses, consiste na explicação de um mecanismo comum entre a histeria e a neurose obsessiva, bem como aquilo que Freud denominava de neuroses atuais, a neurastenia e a neurose de angústia. Esse mecanismo comum é a defesa representada pelo conceito de recalque no caso das neuroses. Encontramos também nesse texto o problema referente à paranóia. Freud aponta que na paranóia o termo recalque (Verdrängung) não é apropriado para descrever seu funcionamento. Nesses casos, Freud dirá que na verdade há uma rejeição (Verwerfung). Mais tarde Jacques Lacan irá traduzir o termo alemão Verwerfung para o termo francês forclusion. De certa forma, na tradução para o português do termo francês forclusion houve um galicismo ao se privilegiar uma tradução direta para “forclusão”, já que temos em nossa língua termos correspondentes como prescrição ou preclusão. Portanto, no texto As neuropsicoses de defesa já estava traçado um primeiro estudo nosográfico e etiológico das neuroses e da paranóia.
A construção da primeira tópica, no capítulo VII do livro Die Traumdeutung (A interpretação dos sonhos), corresponde, enfim, o traçado nosológico e uma topologia do aparelho psíquico, e a sexualidade exercerá um papel fundamental na nosologia das neuroses, psicoses e perversões.
Dessa forma, tento traçar o caminho realizado por Freud na construção do conceito de inconsciente, o qual se desloca da nosografia das doenças mentais a uma etiologia das neuroses e das psicoses. Nesse sentido, podemos dizer que o método de pesquisa utilizado por Freud é herdeiro da anatomopatologia e corresponde a um movimento que passa da descrição – nosografia - à explicação - etiologia.


Luis Francisco Espíndola Camargo
E-mail: chicocamargo@superig.com.br
Psicanalista, doutorando em psicologia (PPGP/UFSC) e correspondente da EBP – Seção SC (e-f).

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Ser criança: inibições, sintomas e angústias na contemporaneidade

A Seção Santa Catarina * da Escola Brasileira de Psicanálise, através do Núcleo de Pesquisa e Investigação Clínica da Psicanálise com Crianças, organizou um colóquio sobre o “Ser criança: inibições, sintomas e angústias na contemporaneidade”, a ser realizado nos dias 6 e 7 de junho, no Hotel Sofitel, em Florianópolis.
A proposta é provocar debates e trocas de experiências sobre questões que dizem respeito a problemas detectados em vários espaços de trabalho com crianças na atualidade. Familiares, educadores e outros profissionais se defrontam com os impasses e os efeitos do mal-estar contemporâneo. Hiperatividade, Transtorno de Déficit de Atenção, transtornos alimentares, dificuldades de aprendizagem, falência dos métodos tradicionais de ensino e educação são alguns exemplos. Quais as orientações da psicanálise para o tratamento desses impasses? O que este mal-estar revela?
Estamos em um mundo organizado pela avaliação e pelo controle, que substituem as sociedades disciplinadoras. Novos temores dissolvem a confiança, agente que enlaça a convivência humana. Com isso o mundo vai se tornando um lugar cada vez mais temeroso e temível.
Lacan nos permite recolocar a questão a partir de uma pergunta chave “De que temos medo? De nosso corpo. A angústia é algo que se situa no corpo...” e que evidencia “ a relação perturbada do ser falante com o corpo”(1).
Perturbação fundadora de um enigma, enigma antes orientado pela Lei do Nome-do-Pai e que constituía, na tentativa de resposta, um sujeito. Hoje este enigma está soterrado frente ao discurso da ciência e do capitalismo, que oferece respostas “prêt-à-porter”, deixando-nos todos dentro de uma classificação generalizante e sucumbidos à falta de nome próprio. A psicanálise de orientação lacaniana continua apostando na singularidade da resposta a este enigma fundador, e convida a todos os interessados a virem falar da maneira que exercem seu trabalho, suas dificuldades, questões e soluções inventadas junto às crianças e adolescentes.

* em formação
(1) LACAN,J. “La tercera”. In:”Intervenciones e textos 2”. Buenos Aires: Manantial, 1993 pg 102

Cínthia Busato - correspondente da EBP/SC (em formação)

domingo, 11 de maio de 2008

Psicanálise na cidade: "Ser mãe nos dias de hoje: um desafio"

No dia 08 de maio, foi apresentada a palestra “Ser mãe nos dias de hoje: um desafio” na escola de ensino infantil “Orisvaldina Silva” na Lagoa da Conceição, Florianópolis; dirigida aos pais e à comunidade em geral.
Levamos a psicanálise e o que ela pode dizer no que se refere à filiação e ao lugar da mãe na época atual, com todas as dificuldades que estão se apresentando cotidianamente nos lares.
Se a biologia não consegue responder no que diz respeito aos laços de filiação e aos sintomas que vão aparecendo, para a psicanálise, trata-se a diferencia, de construções simbólicas, imaginárias e reais. O filho para ser tal deverá adotar os pais, independente de estes serem pais “naturais” ou adotivos; a sexualidade e a procriação estão separadas, e isto se vê com mais determinação nos tempos do consumo e da predominância dos gadgests como objetos de mias de gozar. A sexualidade é Não-toda, por isto, não há um total encontro feliz entre os parceiros, sempre haverá falha, a coisa não funciona...O mesmo acontece com nossos filhos: os sonhamos bonitos, brilhantes, exitosos e felizes; mas a vida os vai levando por caminhos imprevisíveis para nós, e sofremos também com eles e suas escolhas e falhos.
Que poderia vir a dizer a Psicanálise para os pais destes tempos de consumo excessivo, de falta de sentido e pluralidade de opções? Que numa época de falta de padrões, e modelos, e de proliferação de modos enumeres de gozar, os pais ficam sem orientação, e a única opção é inventar modos de saídas para estas situações e modos de “educar”; cada mãe deverá construir e inventar o próprio estilo de ser mãe, e ninguém poderá lhe dizer qual seria a forma ideal, porque não existe. Não há mais Pai organizando a cena.
Na escola havia um público formado por pais e educadores, a participação foi grande e muito interessante. Perguntaram mais do que qualquer outra coisa se algumas situações com a vida dos filhos poderiam ser “contra-indicadas”, ou se levariam a riscos futuros: por exemplo, um pai perguntou se na vida da sua filha poderia ter conseqüências o fato de ela estar sendo cuidada por várias pessoas da família como ele, a avô, a tia e a mãe, já que a mãe passa várias horas fora de casa. Outro pai destacou o seu jeito de não bater jamais e falar até o cansaço com os filhos, sendo que sua mulher (presente) às vezes dava um tapa, mas ele preferia esgotá-los com a fala. As diretoras da escola falaram muito sobre como é importante, e ao mesmo tempo muito trabalhoso, se lidar com as diferenças das crianças dentro da escola, pelas diversidades das famílias (econômicas, educativas, culturais, etc).
O mais interessante, no entanto, foi a abertura das pessoas para entender que estamos numa época complicada no sentido do sem “parâmetros”, mas também das melhorias: agora há que se escolher, há que escutar e falar com os filhos e que as instituições também estão indo nesse sentido: abertura à diversidade e criação de formas novas de lidar com os gozos mortíferos das nossas comunidades...E a Psicanálise está ali!!! Na cidade!!!

Laura Fangmann - Correspondente da EBP-SC (em formação)

Oficina da Clínica do Feminino

A psicanálise foi por Freud inventada a partir da fala das mulheres. Uma em especial ocupa lugar de destaque. É Anna O., que vêm demonstrar pela primeira vez que o sintoma histérico reage à palavra. “Talking cure “, dizia seu médico deslumbrado.
Ao percorrermos a obra freudiana desde as primeiras cartas a Fliess até os textos inacabados dos últimos anos, resta-nos poucas dúvidas de que para Freud a psicologia da mulher sempre foi mais enigmática que a do homem. Numa carta à princesa Marie Bonaparte, ele diz que a grande pergunta cuja resposta jamais encontrou e que não pôde, por conseguinte contestar, apesar dos trinta anos de investigação da alma feminina, era: “O que deseja a mulher?” (Was will das weib?). Desde então, essa referência se tornou clássica e inevitável para quem se interessa pela clínica do feminino.
Com o enunciado “A mulher não existe” Lacan não fez outra coisa senão consagrar a lógica que anima o dizer de Freud, prolongando com isso, a interrogação freudiana e fazendo dela o índice de que ali há uma referência vazia, ou seja, a ausência de resposta sobre o que é a feminilidade.
A criação desta Oficina surgiu do desejo de dar continuidade e aprofundar a investigação clínico-epistemológica, ao redor da sexualidade feminina e seus impasses, iniciada em outubro de 2006, pelo “Grupo de Estudos e Conversação sobre a Clínica do Feminino”.
Deixando-nos orientar pela veia condutora dos pensamentos de Freud e de Lacan, nos propomos a imprimir na Oficina um estilo de funcionamento que possa refletir o próprio processo da análise – construindo e reformulando permanentemente nossos pontos de vista a respeito do tema em questão – mantendo desse modo, a característica de um constante enigma a ser descoberto. Enigma este que é a própria marca do feminino.
A Oficina funciona sempre às quintas-feiras, quinzenalmente, no horário de 20:00 horas, e está aberta a psicanalistas, estudantes e profissionais de outras áreas, que possuam alguma transferência com as questões do feminino.
Núcleo de estruturação da Oficina: Cleudes Maria Slongo (responsável pela atividade), Jussara Jovita Souza da Rosa e Maria Cristina Vignoli.

Cleudes Maria Slongo - Correspondente da EBP-SC (em formação)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Clínica da Psicose: uma relação pragmática

O avanço do ensino de Lacan, e a entrada decidida do corpo em suas elaborações produzem uma inflexão fundamental na psicanálise e nos interessa, em particular, como isso ocorre na clínica da psicose. Desde a sua invenção a psicanálise se encontra as voltas com o saber fazer do psicótico com seu corpo. Se em outros tempos, esse saber fazer se articulava muitas das vezes mais claramente em torno de um sentido, restabelecendo suas relações com o Outro, na contemporaneidade há um esvaziamento do saber trazendo uma novidade a essa experiência. Em nosso tempo, encontramos psicóticos às voltas com os acontecimentos do corpo, e muitos destes, encontram um tratamento para o gozo que os invade a revelia de qualquer elaboração de saber. No seminário XX Lacan assinalava que o inconsciente era um saber fazer sobre lalangue. Ou seja, o inconsciente seria um se arranjar com o corpo na medida em que ele sofre os efeitos de lalangue. O inconsciente, assim entendido, não inclui o pai, e as soluções do sujeito podem prescindir deste sem qualquer exigência de elucubração de saber, sem qualquer recurso mais articulado à linguagem. Os conceitos de Parlêtre e Sinthoma ultrapassando a própria noção de inconsciente, vêm em auxílio de Lacan para dar conta desse novo estatuto do corpo, que produz efeitos na noção de sujeito e objeto a, situando a direção do tratamento diante de uma realidade que exige muitas vezes do analista uma relação bem mais pragmática com a psicose. Tal inflexão produzida por Lacan não se deu por acaso. A contemporaneidade traz elementos que alteram as relações do sujeito com o mundo, modificando seus sintomas, abrindo o espaço para modos de gozo até então inaceitáveis. Isso nos ajuda a pensar por que os psicóticos parecem se dar tão bem em nosso tempo. O que cabe ao analista diante dessa nova realidade? A psicose continua nos interrogando e conseqüentemente nos ensinando. Vamos ver o que conseguimos aprender.

Henri Kaufmanner (EBP-MG)

Nos dias 9 e 10 de maio, Henri Kaufmanner, psicanalista, psiquiatra, Membro da EBP, proferirá uma conferência na Seção SC , para a qual o Núcleo de Pesquisa em Psicose reitera o convite a todos os interessados.