quarta-feira, 18 de julho de 2012


domingo, 8 de julho de 2012

Procuram-se homens. Os interessados apresentarem-se em qualquer esquina. (1)


Sob este título instigante e irônico, Gustavo Dessal – psicanalista, membro de ELP-Madri e da AMP – nos apresenta suas reflexões sobre o indiscutível impacto que nos homens da Europa contemporânea está produzindo a “legítima ascensão histórica das mulheres celebrada publicamente como uma conquista da civilização ocidental”. Cabe agora a nós, psicanalistas deste lado do Atlântico, explicitarmos a percepção que estamos construindo e manifestarmos o que já temos avançado na conceitualização desse fenômeno que o colega da ELP analisa. Muito embora tenha me parecido que por momentos uma certa nostalgia dos tempos do reino do pai se apodera de algumas passagens do texto do colega, sem sombra de dúvidas há, na reflexão de Gustavo Dessal, elementos que muito nos ajudam a pensar sobre nossa experiência analítica com homens e mulheres de nossos dias e destas latitudes.     
“Os homens são cada vez mais censurados por praticar sua masculinidade sendo simultaneamente recriminados por não querer exercê-la. Encurralados ambos os sexos nesse paradoxo, os homens se movimentam na incerteza de não saber como ser, enquanto as mulheres tentam resolver uma equação que tem se tornado para elas a quadratura do círculo: conseguir que o gatinho que agora esfrega a louça e passa roupa continue sendo um tigre na cama”, escreve Dessal. Perspicaz e ao mesmo tempo algo precipitada esta conclusão do colega da ELP. Perspicaz porque temos neste parágrafo o claro reconhecimento de que o saber masculino sobre “como ser” nada deve à biologia ou à vontade divina, uma vez que o ser é da ordem dum semblante que vem cobrir o furo do real da inexistência de alguma proporção entre os sexos. Mas, algo precipitada, porém, porque não é certo que esse homem tenha sido alguma vez um tigre na cama para essa mulher; não é certo que ela o tenha escolhido pelos seus dotes de Ricardão, assim como também não é certo que lavar a louça ou passar a roupa produza num homem a falência de sua virilidade. O um por um continua sendo a boa medida.
A perspicácia da análise de Dessal também se põe de manifesto na idéia de que historicamente os homens pouco se ocuparam de sua identidade, uma vez que a condição de proprietários do pênis representava já uma garantia do ser. Eu gostaria de acrescentar à reflexão de Dessal que pareceria que uma das condições para que essa garantia não consiga seguir se sustentando esteja no fato das mulheres terem conseguido se desvencilharem de séculos de discurso amo no interior do qual não só mãe e mulher estavam naturalmente coladas quanto que correspondia às mães a tarefa de polir as insígnias fálicas dos seus filhos varões. Esse movimento questionador que fez com que elas tenham separado a maternidade da identidade feminina produziu efeitos na própria posição de mãe e isto tem trazido, sem dúvidas, conseqüências no campo dos outrora seguros proprietários do órgão. Numa importante extensão do planeta já não se fazem mais mães que celebram o filho macho como antigamente.
O desabamento do sistema patriarcal que durante séculos foi a referência que ordenou o laço entre homens e mulheres produz efeitos de orfandade em ambos os sexos que cada vez são mais evidentes no dizer dos sujeitos que nos consultam. A criança generalizada e desnorteada toma conta dos laços e, assim, novos sintomas no masculino e no feminino pipocam pela cidade afora. Um exército de “experts” se candidata a ensinar como devem comportar-se os homens, as mulheres, os pais, as mães, as crianças e os filhos. Hoje tem escola para tudo, até para tentar fazer desaparecer a diferença na posição de gozo dos seres falantes. Uma paixão democrática de igualdade, como diz Dessal, e o imperativo do encontro apropriado entre os sexos tem tomado conta das práticas terapêuticas dos dias de hoje e cada vez que o “isso falha” próprio do humano se manifesta, novas tentativas de domesticação do impossível de adequação entram em vigor.  
Sob o título “Um mundo mais feminino. Que conseqüências para a clínica psicanalítica”, nossa Jornada de Seção está sento preparada.  Há muito para estudar, refletir e aprender das produções que nas diversas áreas do saber vem surgindo na tentativa de articular respostas perante as aventuras e desventuras dos homens e das mulheres do tempo em que nos cabe viver. Esperamos sua colaboração!

Oscar Reymundo - EBP/AMP

(1)    O texto de Gustavo Dessal foi publicado em Mujeres, una por una. Eldar, Shula (compiladora) España, Colección ELP. Editorial Gredos, 2009. PP. 25-36.