quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Somos todos doentes?

Nos últimos anos houve um crescimento expressivo do uso de medicação no tratamento das pessoas com sofrimento psíquico, não somente para os transtornos psicóticos que, sem dúvida, requerem a ajuda da medicação, como também para muitos outros “transtornos”. Um dos exemplos mais gritantes é o de crianças diagnosticadas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, as conhecidas crianças TDAH, diagnóstico absurdamente freqüente feito com crianças na idade escolar.
Na fila dos mais tratados com a medicação, em primeiro lugar estão os chamados deprimidos. Os antidepressivos mais usados, desde a fluoxetina até os de primeira linha são geralmente prescritos sem necessidade, inclusive para pessoas com leves quadros depressivos ou com dificuldades emocionais. Hoje, tristeza e depressão passaram a ser a mesma coisa. Os fenômenos clínicos só adquirem importância a partir dos efeitos que os medicamentos podem oferecer, ou seja, a medicação passou a ser o princípio organizador da clínica médica. Somado a isso, bem sabemos que o culto ao medicamento e a oferta irresistível dos laboratórios não são nada inocentes.
A medicação é muito importante em algumas patologias e em situações bem específicas, mas felizmente há outras formas de tratar as dores do existir, formas que devolvem aos sujeitos a verdade de que seus corpos lhes pertencem, formas que permitem que ele assuma os riscos, as falhas e os tropeços no seu caminho na vida. Tristezas, desânimos e perdas são processos importantes que não devem ser rebaixados a um mero rótulo classificatório. Confrontar-se com eles ainda constitui a melhor forma de aprender a sobreviver sem precisar anestesiar-se. Será que o fim de um relacionamento, a demissão de um trabalho, a perda de um ser querido e tantas outras contingências da vida precisam de uma enfermidade que as justifique? “Felicidade é também ficar triste de vez em quando”.

Eneida Medeiros Santos, psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise.

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