Que explicação dar para este título que coloca em dúvida a saúde mental de todos e de cada um? Dizer loucos é a mesma coisa do que dizer psicóticos? Decididamente não, muito embora, afirmar que ‘somos todos loucos’ assinale que na experiência psicanalítica, isto é, no ponto mais fundamental da análise de um sujeito, são isolados elementos de uma singularidade tal que tornam esse sujeito “um fora da casinha”, da casinha dos universais, um fora de todas as classificações dos sintomas, sejam estas clássicas ou contemporâneas. É esta a ferida narcísica que a psicanálise produziu na humanidade: ter provado a radical inadequação do ser falante com relação a qualquer ideal de equilíbrio e saúde mental e ter demonstrado que para poder ter uma vida com outros o neurótico “normal”, esse que dispõe do significante do Nome-do-Pai para ordenar seu mundo, deve fazer um esforço de criatividade que responde à mesma lógica que a criação que o sujeito psicótico, que não dispõe desse significante ordenador, tem de realizar para não isolar-se e participar do laço social. “Todo mundo delira”, disse Lacan, e com esta afirmação ele assinalou que toda e qualquer relação se constrói sobre um vazio original e é da ordem de uma invenção. Da ordem de “um delírio”, podemos dizer, uma montagem de linguagem, uma ficção construída sobre um “não há relação”, isto é, não há relação que já venha dada, seja pela força dos instintos, pelo determinismo genético ou pela decisão de uma vontade superior. Para se estar no laço social o ser falante, independentemente de sua estrutura clínica, não tem como poupar-se de ter que fazer um esforço de poesia.
A pesar das tentativas classificatórias da vida e suas vicissitudes que nos últimos tempos vem avançando no campo da assim chamada “saúde mental”, estamos todos fora da casinha do universal: a singularidade do modo que cada um tem de desfrutar da vida e de se estragar a existência assim o demonstra e essa singularidade acaba se impondo, às vezes de maneira enlouquecida e violenta, mas sempre questionando a ilusão controladora da burocracia sanitarista que sonha com uma felicidade sem fim e com um mundo ordenado de uma vez e para sempre. Fazendo contraponto com a grandiosidade das promessas do discurso neoliberal que acredita ser possível um bem-estar sem falhas e sem riscos, encontramos a crise dos saberes produzidos por esse discurso, saberes que no dia a dia da luta contra o sofrimento se mostram impotentes para poder lidar com a singularidade em jogo que se expressa em cada sintoma. Somos todos loucos, sim. Estamos todos fora da casinha do universal. Saber tratar esse singular e saber criar com ele é o grande desafio de uma sociedade democrática e da cada um dos seus cidadãos.
Oscar Reymundo, psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise.
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