segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Comentário do filme Temple Grandin e seu objeto/máquina, por Rosane Padilla

Filme biográfico que conta a surpreendente história de Temple Grandin, autista de alto nivel, que tornou-se bióloga renomada, especializada em melhorar as condições de morte dos animais, criando um método de abate de gado sem crueldade, o que revolucionou a indústria alimentar. 
Temple Grandin é também reconhecida pelos vários artigos que escreveu sobre o autismo e dois livros: “Pensar em imagens” e “Minha vida de autista”. 
No livro “minha vida de autista” há uma frase, logo no início, que me chamou atenção: “Eu tinha seis meses quando minha mãe se deu conta que eu me enrijecia quando ela me pegava em seus braços. Algumas semanas mais tarde, quando ela me acariciava eu comecei a lhe arranhar e a me debater como um animal preso numa gaiola. Minha mãe tinha medo. Ela não sabia o que fazer diante de um bebê que a rejeitava”. 
E Temple continua contando: “O diagnóstico caiu como uma bomba: a pequena Temple é autista.” Alguns anos mais tarde, contrariando o prognóstico dos especialistas da época, Temple obteve o título de bióloga e defendeu uma tese sobre os animais. 
Para pensar na questão do autismo, eu particularmente me oriento não só no ensinamento de SIGMUND FREUD e de JACQUES LACAN, mas também em LEO KANNER (psiquiatra que iniciou e desenvolveu a pesquisa sobre o autismo) e ROSINE E ROBERT LEFORF pesquisadores e psicanalistas que tiveram uma vida dedicada à clínica do autismo e várias obras e artigos publicados sobre esta temática, inclusive um artigo sobre Temple Grandin, publicado em seu livro “A distinção do autismo”. 
Também acompanho pesquisas atuais, nesta área, de alguns psicanalistas franceses, tais como: 
ERIC LAURENT, psicanalista, ex-diretor de um hospital-dia de crianças autistas em Paris e atualmente desenvolvendo pesquisas sobre o autismo. Possui vários artigos publicados nesta área. 
JEAN-CLAUDE MALEVAL, psicanalista e pesquisador na clínica do autismo, com dois livros publicados nesta temática: “O autismo, seu duplo e seus objetos” e “O autismo e sua voz”, além de inúmeros artigos. 
E também, YVE-CLAUDE STAVY, psicanalista, diretor atual do hospital-dia Aubervillier (que faz parte da rede RI3) onde realiza controle, com os profissionais do hospital, dos sujeitos internos em trabalho. Ele também possui vários artigos publicados nesta temática. 
Destacarei deste filme o efeito que o objeto máquina construído por Temple causou na sua vida. 
Desde pequena ela começou a inventar esta história extraordinária de máquinas, que mais tarde foi direcionada para os animais e conduziu-a até suas atividades profissionais atuais, onde pôde construir vários exemplares de máquinas. 
Este objeto autístico, construído para acalmar, defender, proteger e matar os animais, serviu também para sua própria proteção, estímulo e, sobretudo, reconhecimento pessoal e profissional, mantendo seu estatuto de “sujeito-vivo”. 
Esta máquina reguladora teve um grande efeito auto-terapêutico de defesa e proteção do Outro, que o sujeito autista tanto necessita. Os efeitos são incontestáveis: Temple pôde concluir seus estudos universitários, obtendo o título de doutora em Ciências do comportamento animal, exercendo a atividade de professora da Universidade de Colorado e realizando inúmeras conferências. 
Este filme nos mostra a importância do objeto autístico - máquina reguladora – criado por Temple. 
As crianças autistas não possuem um objeto transicional (como Winnicot propôs) porque não fazem esta transição da presença para a ausência, pois não têm acesso à operação Fort-da, como Freud chamou o processo que simboliza a ausência da mãe. O sujeito autista não tem a possibilidade de fazer a falta existir, por isto é importante a construção de um objeto, sempre presente, fazendo o papel de extensão de seu próprio corpo na função de proteção. 
Temple tinha, desde pequena, uma caixa de madeira com a função de objeto autístico. Desta caixa (seu primeiro objeto) ela passou para a construção da famosa máquina/objeto. 
O objeto autístico tem, para este sujeito, a função do duplo. 
Chamamos de duplo quando alguém exerce a função de extensão do corpo do sujeito autista {i’(a)}, algo que represente seu corpo e que possibilite alguma saída para este sujeito. Ex: Temple, ela mesma, se conta historias em voz alta, antes de dormir. Neste caso, é sua própria voz que serve como duplo; ela precisa se escutar para existir. 
O duplo privilegiado por Temple que mais aparece neste filme são os animais, que, segundo ela, sofrem e não falam. Temple os elegeu como duplo. Ela nos conta que se “identificava” com o animal que iria ser morto, com aquele que, em alguns minutos, viraria carne. E continua: “para que um ser vivo tenha vida, outro precisa morrer”. 
Em Temple, podemos dizer que a máquina, além de ter servido como proteção, tem também a função de representá-la para o Outro. Assim, Temple foi reconhecida pela construção de sua máquina. Nesta lógica, podemos pensar, que o objeto/máquina ocupa a função de um significante primeiro para Temple, ou seja, além dela se fazer reconhecer pelo Outro através do objeto/máquina, ela se anuncia, se apresenta e se representa via construção desta máquina. Esta invenção é um produto da enunciação de Temple, por isto ocupa a função de Significante unário. Ou, poderíamos dizer, sua invenção restaura este significante, pois com a máquina é possível ela se fazer representar para um Outro. Assim, esta máquina/objeto serve até hoje como uma excelente forma de suplência para Temple Gradin. 

Rosane Padilla - Psicanalista 
rosanepadila@hotmail.com

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