sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Entrevista: Iordan Gurgel, AME da EBP e AMP, presidente da Escola Brasileira de Psicanálise, sobre a felicidade




1- Para Freud a felicidade é uma ilusão. Lacan afirma que ao nível da pulsão o sujeito é feliz. O que você pode nos dizer sobre essas perspectivas?
Para Freud a felicidade não estaria no plano da “Criação”; ela é sempre episódica e restringida por nossa própria constituição. Como a pulsão é sempre constante e sua finalidade é a satisfação, neste nível, o sujeito é feliz – a satisfação da pulsão equivale à felicidade. Mas, em Televisão, na Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos e no Auto-comentário, Lacan diz que existe o feliz acaso [bom heur], o que caracterizaria a felicidade como fortuita. Apesar de não haver a relação sexual há encontro entre os seres sexuados; e assim os “seres” falantes são felizes por natureza – esta é a condição de sua reprodução. Eis o encontro de Lacan com Freud, que considerou o amor sexual um modelo para a busca da felicidade.

2- Quais as respostas contemporâneas que a civilização tem oferecido para as dores do existir?
Freud dá indicação das três fontes de que nosso sofrimento provém: o poder superior da natureza, a fragilidade de nossos próprios corpos e a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade. Mas, os métodos para evitar o sofrimento podem ocasionar também o mal-estar: o químico (as drogas e medicamentos); a renúncia pulsional; a reorientação dos objetivos pulsionais – a sublimação; a rejeição da realidade e o amor. As ofertas da religião, das ciências e do mercado de consumo têm fracassado neste mister.

3- Qual o preço que se paga pela demanda de ser feliz o tempo todo?
Freud dizia que "o desígnio de ser feliz que nos impõe o Princípio do Prazer é irrealizável, mas não por isto deve-se abandonar os esforços de aproximar-se de qualquer modo a sua realização". A política imposta pela sociedade contemporânea levou ao pé da letra a esperança de Freud e a crença da felicidade aliou-se à lógica do consumo. Consumir seria um recurso do sujeito de promover todo objeto que lhe apareça à categoria de substituto do objeto perdido e assim, ser feliz. Esta nostalgia do objeto perdido e o que ele encontra, não coincidem com o que procura – aí teríamos um correlato à frustração. Ele se equivoca ao pensar que é feliz na medida em que goza de todos os objetos que podem lhe fazer gozar. É o preço a pagar.

4- O que a psicanálise pode oferecer para o tratamento do mal-estar?
A felicidade, no reduzido sentido em que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido do indivíduo. Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: o homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo – dizia Freud.
A psicanálise não pretende dar respostas completas ao homem sobre como satisfazer seus desejos e ser feliz, e sim acompanhá-lo neste percurso, ajudando-o a reconhecer a singularidade de seu sinthoma e as conseqüências daí advindas. E assim, contribuir para que, àqueles que demandem atendimento, possam, via a arte de falar, se sublevarem, assumir a sua verdade e ir mais além de seu mal-estar. Eis, como disse J.A.Miller, o anti-depressivo mais potente!

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