quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O “sinthoma” como pivô para pensar o delírio generalizado: considerações sobre as “Conferencias porteñas”, de Jacques-Alain Miller

Com a proximidade da V Jornada da Seção Santa Catarina da Escola Brasileira de Psicanálise, tentamos dar forma a algumas idéias e conceitos que poderiam nortear nosso trabalho.
O “delírio generalizado” não diz sobre a possibilidade de sermos todos psicóticos, mas sim que a partir do momento em que Lacan introduziu sua última clínica, com as formulações dos nós borromeanos, os registros se encontram em igualdade de posição uns com outros, sem que haja qualquer tipo de domínio de um sobre outro. Isto traz, como uma das conseqüências, o fato de que não possamos mais pensar a neurose como medida de normalidade, nem a psicose como estrutura deficitária. As estruturas irão se estabelecer segundo as diferentes amarrações que cada sujeito possa vir a fazer entre os registros. Nesta nova conformação, o sinthoma vai ocupar diferentes posições segundo o momento em Lacan. Primeiramente será pensado como o quarto elemento que faria a ligação entre os registros, a modo de suplência, por exemplo: na psicose seria o que permitiria ao psicótico alcançar certa estabilização. Já no final, Lacan dirá que o sinthoma é real.  Como pensar a relação entre este sinthoma e a famosa frase “todo mundo é louco”?  Para isto vamos nos servir de algumas considerações de Miller no livro “Conferencias Porteñas”, expostas nas conferencias de Buenos Aires.
Em 1997, Miller dizia: “adeus ao significante, bem vindo o sintoma”[1]. O que queria dizer com isto? Não se trata de deixar o significante e a produção de sentido de lado, mas sim de dar o lugar que o sintoma merece, a partir dos últimos ensinos de Lacan.  Se a princípio o sintoma era a verdade, um elemento perturbador no real, no final se produz um salto que leva a considerar que o “sintoma não é uma falha no funcionamento, senão um funcionamento; e que não se opõe ao real como elemento perturbador senão que se localiza na mesma dimensão do real”. Aqui não se trata do sintoma-verdade, mas do sintoma-gozo e o sintoma-gozo não é perturbador (para Freud, neste ponto era sintônico com a personalidade); é sim um modo a mais de gozar.
Por exemplo, nos casos de psicoses, não pensamos em curar ou eliminar o sintoma, mas consideramos que é preciso fazer com que o sujeito possa se anodar a um sintoma que lhe permita sobreviver, enquanto funciona como uma suplência ao Nome-do-Pai.
A que chamamos então o “sintoma-gozo”?  Seria algo que reúne uma parte significante, decifrável e a finalidade de gozo que contém. É um aparelho significante feito para produzir gozo.
Se pensarmos no tema da jornada, esse Somos todos loucos?, poderíamos pensar no conceito de sinthoma como aquilo que reúne as estruturas psicopatológicas, consideradas já não como continentes completamente diversos, mas sim como modos diferentes em que o sujeito constitui seu sinthoma, e um modo específico e singular de amarração entre os registros e o objeto a. Todos deliramos porque o delírio é considerado como uma elucubração ao redor de um furo, um furo real. Cada um delira por si, porque a língua se inventa em cada ato de fala, como dizia Lacan. Cada um se inventa sua própria língua. Assim, não contamos com uma medida de normalidade, nem graus de patologia, pois todos, seja na psicose, na neurose ou na perversão, contamos com os nossos sintomas como máquinas significantes de produção de gozo. As diferencias encontram-se nos modos diferentes em que se estabelece esta amarração, que é sempre singular e específica a cada sujeito.
Há um delírio generalizado no sentido de que não há vida sem gozo, e porque, perante o furo no real, só nos resta delirar para poder continuar sonhando nas nossas loucuras de criação de sentido.

Laura Fangmann - Psicanalista, correspondente da EBP-SC


[1] Miller, J.A., Conferencias Porteñas, “El analista-sintoma”, pag.27. 

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