quarta-feira, 30 de julho de 2008

Felicidade pronta entrega: felizes a qualquer preço?


Por que os psicanalistas iriam fazer da felicidade, logo neste momento, o tema dos seus encontros e jornadas, se a felicidade é algo que sempre esteve presente nas expectativas dos analisandos em relação com suas análises? Não é uma novidade que quando alguém procura um analista é porque se está sentindo infeliz e quer ter uma vida melhor. O que foi que mudou, então, para que este afeto tenha sido colocado como alvo da reflexão psicanalítica?
Mudou o lugar que a satisfação tem na cultura. Até a não muito tempo atrás, crianças, jovens e adultos tinham de virar-se com ideais culturais que exigiam uma certa renúncia das satisfações para poder conquistar um lugar no mundo, com os outros. Mas já faz algum tempo que um novo ideal que exige “satisfação-jà!”, tem conquistado seu lugar na cultura e, a partir de então, cada vez custa mais aceitar que nem tudo é possível; que para ganhar há que se saber ceder; que quem corre atrás da satisfação plena se topa com o limite da pior forma possível. Enfim, hoje temos de nos virar com um ideal que nos faz acreditar que nos objetos que o mercado oferece encontraremos a forma de preencher o vazio que nos caracteriza enquanto humanos e que, uma vez preenchido, seremos felizes para sempre. Mas não nos enganemos: felizes para sempre quer dizer desumanizados. Lembram do slogan Sem medo de ser feliz? Bom, hoje há que se ter, senão medo, ao menos cautela com este imperativo da felicidade. Não é brincadeira! A felicidade tem se tornado commodity e a ilusão de poder achá-la nas prateleiras das lojas, incluída a farmácia, ganhou muita consistência. E este estado das coisas não seria perturbador se não fosse o paradoxo no qual o imperativo de “felizes-a-qualquer-preço” nos coloca: quanto mais obedecemos a esse imperativo, mais angustiados ficamos e menos possibilidade temos de saber sobre o modo singular que cada um tem de se satisfazer na vida. É como uma reedição contemporânea do “Maria vai com as outras”, só que desta vez, Maria se tornou, bulímica, anoréxica, toxicômana, depressiva, hiperativa, tem ataques de pânico, transtorno de atenção, compulsão a comprar, compulsão pelo sexo e outros distúrbios dos mais variados. Convenhamos que não é necessário ser psicanalista para se dar conta dos efeitos catastróficos que a busca da completude absoluta tem para um sujeito. Tampouco e necessário ser analista para saber que não adianta querer ressuscitar os velhos ideais da renúncia à satisfação. Insistir nessa renúncia generalizada, sem levar em conta o consentimento de cada um, nos leva para posições cada vez mais hipócritas e canalhas. O que fazer, então? A psicanálise da Orientação Lacaniana propõe inventar e ajudar a que cada um se torne um inventor de uma resposta singular, ligada com sua historia pessoal, que o oriente pelos cegos, surdos e silenciosos caminhos da satisfação pulsional. Inventar-se um sintoma, dizemos na psicanálise. Esse é o desafio atual e por isso a felicidade tornou-se uma questão que nos ocupa.

Oscar Reymundo - EBP/AMP - Diretor Geral da EBP-SC (em formação)

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