Na semana passada lemos, chocados, a notícia do menino de 10 anos que atirou na professora e depois se suicidou. Os jornais advertem que não se sabe o motivo. Porém sabemos sem medo de errar o que virá a seguir: diagnósticos, opiniões, palpites, idéias, julgamentos buscando culpados e reclamações de “mão dura”, na frágil interpretação de que a causa é a impunidade. Assim, no simulacro democrático do direito a opinar, a mídia desfila explicações que promovem a identificação dramática com o lugar da vítima ou o distanciamento “objetivo” indicando o que deveria ter sido feito para não acontecer o acontecido. Manobras inúteis perante a nossa impotência de dar conta do novo que esses sintomas anunciam. E não é ruim querer saber ou interpretar, o triste é perceber como se insiste em repetir velhos clichês.
Podemos imaginar a angústia dos pais, a sensação de a terra se abrindo a seus pés, o susto dos colegas, amigos, parentes, que querem saber, colocar algo, fazer uma sutura no real imprevisto. O problema é querer saber tudo com a ideia de poder impedir que ocorra de novo, de prevenir. Um exemplo desta tentativa é um anúncio sobre a prevenção de acidentes que diz: “Se foi acidente poderia ter sido evitado”. Estranha maneira de redefinir um acidente cuja característica essencial é ser imprevisto, casual, relativo e contingente. Notadamente, depois do acontecido todo o mundo é sábio. A psicanálise não conjuga acidente com prevenção, mas com real impossível.
Por outro lado, cabe destacar que nessa proliferação de justificativas os dois campos do saber usados frequentemente são o da saúde: a saber, o menino era calado, introspectivo, vítima de bullying, o pai era autoritário, rígido, estressado; ou de ordem judicial- policial: buscar a todo custo um culpado, “alguém tem que pagar”. Respostas essas que, resumidamente, significam fazer desaparecer a causa (seja pela medicalização, seja pela prisão) e, assim, aliviam a angústia, pelo menos até o próximo episódio. Nenhum reconhecimento pelo senso comum de que não são fatos isolados como parece. Nenhuma consideração política na maioria das vezes.
O bullying é um exemplo. A definição o descreve como atos de física ou , intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (do bully, tiranete ou valentão) ou grupo de indivíduos causando dor e angústia, sendo executados dentro de uma relação desigual de poder.
Naturaliza-se o fato do bullying levar até o suicídio, no exercício do poder de uns sobre os outros, como se fosse esse o problema. Quando a pergunta teria que ser: por que uma ou várias crianças podem chegar a esse extremo de crueldade? Mas não, prefere-se também se naturalizar que as crianças atingidas pelo bullying têm baixa auto-estima ou são débeis.
O discurso da psiquiatria opta por reduzir os conflitos a causas neuronais em vez de propiciar a responsabilidade do sujeito com relação a seu destino. O ideal de homens e mulheres fortes e sem conflitos, por consequência livres de sofrimentos, robotizados e seguros de si, recheia os programas da televisão, na mais fantástica máquina de moer consciências. Do mesmo modo se destaca que o bullying é problema entre alunos, só porque acontece nas escolas. Uma paciente, de visita na casa de um parente, se sente incomodada com o “clima” que se estabelece nas relações familiares e na tentativa de descrever, encontrar uma forma de adjetivar a experiência, solta de repente: bullying. Não se poderia pensar, a partir desse exemplo, que a escola é o elo final de uma corrente que começa em outro lugar? Não seria possível pensar que o discurso do dever ser higiênico esteja a serviço de esburacar o outro, que não entra no discurso oficial? Que a política de segregação não é privilégio de alguns Governos?
Que peculiar conjuntura capitalista, que nos faz viver vendo passo a passo a transcendência global do pacto entre a ciência e os laboratórios, entre alguns setores profissionais e os veículos de comunicação. Que discurso é esse do capitalismo que não favorece o laço entre os homens, e sim a ilusão de completude com o aparelho de turno?
Que discurso é esse que promove consumidores-viciados, ávidos do gozo instantâneo, da felicidade “cash”, aqui e agora? Mais uma vez digo: que despolitização!!!
Silvia Emilia Espósito - Psicanalista Membro da EBP/AMP
Revisão: Elaine Dal Col da Silva
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