Do tipo clínico ao caso único foi um subtítulo dado ao XV Encontro Internacional do Campo Freudiano (2007), que corresponde a uma orientação do método psicanalítico na condução do tratamento. Um pouco mais além do sintoma, mais além do pai, temos uma orientação que se dirige do particular a singularidade do caso único. Trata-se de um modo de gozo irredutível ao campo do sentido, uma père-version (versão do pai).
Já em relação à teoria, que em psicanálise advém da clínica, o método de construção dos conceitos parte de uma nosografia a uma etiologia. Em outras palavras, do caso único a uma generalização. Trata-se da descrição dos fenômenos à sua explicação. Talvez seja por isso que se diz: Freud explica. A nosografia é a descrição das doenças, enquanto a etiologia a explicação de suas origens. No caso da psicanálise, a etiologia tem como princípio a noção de causalidade psíquica e a sexualidade exerce um papel fundamental na construção de uma nosologia. Esse é um método que pode ser observado no trajeto de Freud em direção a construção do conceito de inconsciente.
Num primeiro momento Freud descreve o funcionamento da histeria. Sua estada em Paris, no inverno de 1885, desperta esse interesse, já que é o próprio Charcot quem demonstra que nos sintomas da histeria, da neurose maior, há uma regularidade, um modo de funcionamento. Trata-se então de realizar uma nosografia da histeria. Em última análise, é esse um dos objetivos de Freud e Breuer nos Estudos sobre a Histeria (1893-1895). O texto Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos, a famosa Comunicação preliminar (1893), ilustra bem o primeiro momento em direção a construção do aparelho psíquico. Trata-se nesse texto de descrever os mecanismos da histeria, traçar a sua nosografia.
O segundo momento da construção teórica, que mais tarde irá culminar na construção da primeira tópica, é marcado pelo texto As neuropsicoses de defesa (1894). O conceito de defesa, aliado ao papel da sexualidade na formação das neuroses, consiste na explicação de um mecanismo comum entre a histeria e a neurose obsessiva, bem como aquilo que Freud denominava de neuroses atuais, a neurastenia e a neurose de angústia. Esse mecanismo comum é a defesa representada pelo conceito de recalque no caso das neuroses. Encontramos também nesse texto o problema referente à paranóia. Freud aponta que na paranóia o termo recalque (Verdrängung) não é apropriado para descrever seu funcionamento. Nesses casos, Freud dirá que na verdade há uma rejeição (Verwerfung). Mais tarde Jacques Lacan irá traduzir o termo alemão Verwerfung para o termo francês forclusion. De certa forma, na tradução para o português do termo francês forclusion houve um galicismo ao se privilegiar uma tradução direta para “forclusão”, já que temos em nossa língua termos correspondentes como prescrição ou preclusão. Portanto, no texto As neuropsicoses de defesa já estava traçado um primeiro estudo nosográfico e etiológico das neuroses e da paranóia.
A construção da primeira tópica, no capítulo VII do livro Die Traumdeutung (A interpretação dos sonhos), corresponde, enfim, o traçado nosológico e uma topologia do aparelho psíquico, e a sexualidade exercerá um papel fundamental na nosologia das neuroses, psicoses e perversões.
Dessa forma, tento traçar o caminho realizado por Freud na construção do conceito de inconsciente, o qual se desloca da nosografia das doenças mentais a uma etiologia das neuroses e das psicoses. Nesse sentido, podemos dizer que o método de pesquisa utilizado por Freud é herdeiro da anatomopatologia e corresponde a um movimento que passa da descrição – nosografia - à explicação - etiologia.
Luis Francisco Espíndola Camargo
E-mail: chicocamargo@superig.com.br
Psicanalista, doutorando em psicologia (PPGP/UFSC) e correspondente da EBP – Seção SC (e-f).
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