quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Elena, por Soraya Valerim


Documentário com a riqueza de um filme dentro de um filme. Ou, o mais perto que Petra - diretora, roteirista, atriz, personagem - conseguiu chegar disto. Com pedaços de memórias, com pedaços de registros, de filmagens, de escritos. Transformando estes pedaços em divinos detalhes, carregados de afeto, não para construir um todo, mas para abrigar as diversas partes de Elena, dela, da mãe.

Um filme que Petra faz para fazer de Elena - sua irmã - a protagonista, a estrela de um filme e, assim, realizar seu sonho. Agora Elena pode ganhar o mundo, o que tanto queria, brilhando nas telas mundo afora. E Petra realizou o sonho de Elena ao realizar o seu próprio sonho, de ser diretora e atriz; de fazer cinema.

É também um filme que trabalha personagens dentro de outras. A mistura das três mulheres. Dos percalços que as três passam para se transformarem em mulher, da entrada no mundo adulto, sexuado.

Exceto que Elena, que, tal qual A pequena sereia, não consegue.

O filme inicia com a fala de Petra: ”Sonhei com você. Quando vejo sou eu. Me vejo tanto nas suas palavras que começo a me perder em você.” Aí a diretora já apresenta o filme: que trabalhará essa mistura. Petra se encontra na outra, nessa outra que cuidou dela, que a enfeitou, que a preparou para ser atriz, dançarina, cantora. Elena, a quem Petra admirava. Elena quer, com sua câmera e espelho, oferecer seu olhar para que Petra se constitua. No filme vemos, também, Elena vendo-se na mãe. Sentindo a sua dor. A dor daquilo que diante de um espelho consegue desenhar- desenha sua tristeza. Desenho este que reaparecerá para as filhas nos momentos que tentam representar suas angústias.

É somente quando ultrapassa a idade de Elena que Petra pode ir além dela, Elena. Mas não sem ela, pois é via o filme sobre Elena. É um filme da força de Petra para ir além de onde Elena conseguiu ir. Quando ultrapassa a idade de Elena é que o medo de seguir os passos dela pode perder força.

Penso que este filme mostra como pela arte pode-se contornar o vazio. Diante da dor, Petra se dispõe a falar o que é possível dela; a se aproximar, a simbolizar o que seja possível sobre a morte, isso para o qual não há significação que dê conta. É um filme da coragem de Petra - e de sua mãe, que se dispõe a ir junto mexer nessas feridas e baús- para fazer algo com o vazio, sem tapá-lo, mas fazendo algo com ele. Trabalho de luto e de expurgo dos fantasmas. Nas palavras de Petra: “enceno a nossa morte para poder viver”.

Fazer cinema é montagem e corte. E é isso que Petra faz: monta para fazer existir; revive Elena para poder enfim cortar, se separar dela.

Soraya Valerim, 3 de setembro de 2013.


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