Gostaríamos nesta ocasião compartilhar com vocês um pouco do nosso trabalho sobre o autismo. Interessamo-nos em pesquisar este tema há uns dois anos atrás, quando um trabalho muito interessante na EBP-Rio nos convocou a participar na elaboração de questões teóricas e clínicas.
Dois anos depois nossas questões, que nos lançam ao trabalho, encontram-se já bem definidas e nosso cartel começou uma segunda etapa de elaborações. Tivemos até a oportunidade de poder enviar parte dela à ECF, em Paris, para participar do debate atual sobre o autismo.
O lançamento deste livro é uma convocação para “embarcarmos”, já que estamos na “barca dos livros”, num universo que é especificamente da Linguagem; embarcarmos na linguagem do autismo.
A pessoa autista tem muito a nos ensinar e muito a nos dizer, até quando não falam. Mesmo sem fala o autista encontra-se na linguagem e sabemos disto porque Lacan afirmou sua tese fundamental “O inconsciente está estruturado como uma linguagem”.
Partindo desta tese, todas as construções teóricas ao longo da vida de Lacan, até especificamente seus últimos anos de ensino, conduzem, poderíamos dizer, até o autismo, mas por quê?
Porque é no seu último ensino que Lacan prioriza, como eixo clínico para a direção do tratamento o que chamou de “real”. E é justamente neste real onde o autista se aloja num encapsulamento singular. O real, poderíamos muito simplesmente pensá-lo como o que está excluído do simbólico, do mundo dos discursos, das palavras que marcam um sujeito fazendo “corpo” e outorgando-lhe uma subjetividade.
Perguntamo-nos:
1) Qual o entrave na constituição do corpo no autismo?
2) Existe um Outro para o autista? Que Outro seria este?
3) Há uma possível escolha no autismo? Ou eleição de liberdade?
4) Que ótica para abordar o autismo? Que lugar habita e por quê?
Encontramos na psicanálise de orientação lacaniana as ferramentas teórico-clínicas para a abordagem destas perguntas, sustentadas na clínica de analistas do mundo todo, que testemunham, assim como no livro que hoje é lançado, que a partir de seu saber fazer com o autismo a psicanálise de orientação lacaniana tem muito a oferecer.
O que tem a psicanálise a oferecer?
Lacan afirmava em 1975, numa conferencia na Universidade de Yale, que os autistas são pessoas para quem o peso das palavras é muito sério sem poder se encontrarem a vontade com elas.
Acolhemos a pessoa autista a partir de uma posição ética, é desde esta posição que encaminhamos o tratamento. O tratamento prioriza a construção que cada autista, um por um, no caso a caso, constrói como tentativa de estabelecer laço com o Outro. Para a psicanálise estas construções são tentativas de cura por parte do autista e estas balizam, para o analista, o caminho a seguir já que são o “indício”, o “signo” de uma subjetividade a advir, algo original, único, que foi construído para lidar com essas palavras que o invadem, aterrorizam e presentificam a coisa.
Donna Williams, uma autista de alto nível, deixa isso bem claro quando diz: “Procuro uma guia que me siga”.
Mas para que este “embarque” seja possível é importante que os pais sejam “parceiros”, que subam a bordo e participem da viagem, pois ninguém melhor do que eles para falar de seus filhos e do seu saber sobre a invenção singular que cada um deles elabora em suas construções, que são tentativas para lidar com as exigências perante a vida.
Desta forma a psicanálise introduz para o autista o respeito e a dignidade de sujeito, valorizando nele o que os objetos, tais como a voz, o som e principalmente as atividades repetitivas, tão desconsideradas em outras abordagens, representam no seu trabalho de resolução dos impasses perante o real.
Um analista poderá intervir, finalmente, para que eles possam viver mais à vontade com as palavras, já que é no mar da linguagem que a humanidade veleja pela vida.
*Texto elaborado por Mariana Zelis com a colaboração de Marise Pinto, Cinthia Busato (mais um) e Jussara Bado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário