sábado, 22 de outubro de 2011

Muro como lugar de produção de gozo, por Maria Noemi de Araujo

Ao contrário, da arquitetura pós-moderna que projeta edifícios espetaculares para durar pouco tempo, ao sul da índia, em Dorje Shugden inaugurou-se recentemente um muro da “fé” budista no Mosteiro Ganden para resistir no tempo.
Com três metros de altura (embora seu projeto indicasse nove), o muro de Dorje não conta com nenhuma entrada ao longo do seu comprimento, pois sua única função social é separar monges de monges ou iguais de iguais. Sua atração visual é uma alusão à arquitetura do próprio Mosteiro que simboliza uma “direção ao céu”. Com a proposta de possibilitar uma elevação da mente para além do que há de mundano, de sujo e dejeto no solo, o muro conduz o olhar para o sagrado infinito e nunca para os lados, para os iguais.
Alguns religiosos (desertores?) ao abandonarem esse recinto, declararam considerá-lo “sinistro”, ou símbolo de des(h)umanidade e ódio. Há uma caminhada humilhante, obrigatória e diária em volta do muro que coloca o usuário igualmente “em situação de separação”, hostilização e dejeto. Trata-se de uma das invenções “nada” Humana para lembrar ao homem “onde ele não é” humano, pois sua função é não deixar seu usuário esquecer que ele é, segundo a sua religião, inferior, desasujeitado...
Efêmera e criattiva é a organização do “Muro das invenções cotidianas”. Como uma espécie de janela urbana, ele provoca o olhar para as coisas reais do humano, num jogo de ver e ser visto, visível e invisível, “sujo e limpo”... O da “fé” é limpo, opaco, resistente ao tempo é produzido para organizar um olhar contemplativo. Assim, o Muro de Ganden exclui o outro, a realidade, o social e o presente ao induzir essa produção do olhar de uma cor só - o azul infinito do céu. Isso aniquila as marcas da singularidade dos humanos para assegurar um tipo de gozo (mítico?) associado ao símbolo religioso nostálgico (passado), a uma aposta no futuro (esperança da vida eterna) e o “faz-de-conta” que o presente inexiste.
O “das invenções“, ao incluir o uso de materiais, cores, texturas, formas e tamanho ao alcance da mão e do olhar do humano, dialoga com a linguagem real do presente espetacular, com um modo de gozo (real?) contemporâneo.
Com Gorostiza, que diz ser no “viés pelo qual o gozo” artístico “de cada Um conecta com o discurso do Outro”, penso nesse modo de fazer arte, de pichadores e grafiteiros, como produção de laço social. A presença de um “muro das invenções” no espaço urbano como algo que “sublima o dejeto” faz dele um lugar de “socialização do gozo” (Miller)?
Ao organizar em seu Cartaz-Muro os traços dos ideais da “VI Jornada” e imprimi-lo com o sêlo-símbolo da EBP, a Seção SC inscreveu a Psicanálise de orientação lacaniana na roda deste fazer artístico, ou no seu Gozo (real?). A imagem do cameleão como uma figura simbólica da disponibilidade que o ser vivo tem para mudar [de cor] faz o gozo circular, indica um “acordo” possível com o colorido das falas do presente para “tentar atingir o que a extrapola” (Valentim)?

Referências:
Gorostiza, L. “Nove pontuações sobre A salvação pelos dejetos”, 2010 . (http://www.ebp.org.br/enapol/09/pt/textos_online/pontuacoes.pdf).
Miller J.A. , “A Salvação pelos dejetos”. Correio 67, EBP, SP, dez 2010.
________“Sobre a Fnatasia”. O.L. 42.
Valentim, S. “Notícias n.1”. http://jornadaebpsc.blogspot.com
Muro do Mosteiro de Gander

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