O título do filme nos engana, ou melhor, nos deixamos enganar pelo título do filme. Sim, se trata de uma relação pornográfica, mas o filme não é pornográfico. O filme não é porque não se reduz à relação pornográfica, já que aparece também, e muito mais, uma relação de amor.
Em relação ao filme, tem se a sensação de que algumas questões ficam abertas, sem resposta, sem uma aparente, boa e satisfatória resposta.
Primeiro, a relação pornográfica: se trata de uma mulher que procura um homem com a finalidade de realizar uma fantasia. Apenas isso, uma questão sexual, e, portanto, pornográfica. Em seus encontros, nos primeiros encontros, realizam a fantasia, que parece ser a dela. E inusitadamente o diretor do filme nos mantém fora do quarto do hotel em que vão realizá-la. Não vemos sua atuação, e nada escutamos sobre ela. Ficamos curiosos em relação a ela? Aposto que a maioria de nós fica. E por que será que queremos saber sobre ela, sobre que faziam aquele homem e aquela mulher naquele quarto? E por que será que o diretor não nos deu esta informação? Não seria a nossa curiosidade um querer saber sobre como se realiza plenamente uma satisfação sexual? Não ficamos com a crença de que este casal produziu uma verdadeira relação sexual porque pode realizar a fantasia? Uma crença de que eles puderam gozar verdadeiramente da sexualidade?
Se nós víssemos ou soubéssemos da fantasia, além da relação, o filme também seria pornográfico. E possivelmente não nos emocionaríamos com ele, e pouco teríamos para falar sobre ele. É capaz até de que saíssemos decepcionados da frente da tela. Me recordo de um tema que se passou numa recente novela da televisão, em que um personagem tinha um segredo sexual, uma forma de se satisfazer, que ao longo da novela, causou repugnância nos outros personagens que descobriam e muita curiosidade no público, e ao final da novela quando se revelou o segredo, houve uma decepção geral dos espectadores que proclamavam um “é só isso!” Provavelmente diríamos o mesmo em relação a este casal do filme: “era só isso!” Para a qualidade do filme, isso ficou obsceno, no sentido literal, fora da cena.
Mas o filme não foi pornográfico, e esta relação que teve como finalidade primeira a realização sexual, foi interpelada pelo amor.
É um filme de amor? Por que não dizê-lo. Temos ali um homem que logo no início se declara romântico. Ele guarda lembranças deste encontro, a revista em que viu o anúncio dela. Poderia ser por fetiche, mas ele declara que é por romantismo. E de fato é um homem muito doce, muito delicado, que se deixa amar. Encontramos algo de feminino nele, não sem ser fálico. É ele quem introduz o amor na cena. Ela reconhece, sabe que foi ele que disse a primeira frase, fez o primeiro convite para que fizessem algo fora do combinado, como sair para jantar. Ali, ainda que sem os elementos de reconhecimento social, algo mais íntimo do que a fantasia sexual aconteceu, trocaram palavras, e isso foi excitante ao que parece, já que retornam ao hotel, mas agora seduzidos um pelo outro, não mais para realizar apenas uma fantasia particular. Ela diz que ele é integro. Integro? Será que quer dizer que não é um mero objeto sexual? Ela sabe que eles se desejam, isso lhe é perturbador. Se no início era apenas um utilizando o corpo do outro para satisfazer-se a si mesmo, agora se trata de desejar o outro. É o que diz Lacan: “o amor permite ao gozo condescender ao desejo”. E ela diz: “E se fizermos amor?” E ele responde, “mas não é o que já fizemos?” Ela, a dona da fantasia, sabe que o amor não se satisfaz com a fantasia, ela quer agora fazer “normal”, porém, ainda numa posição dominadora, é o que ela pode, e ele consente.
Aí neste ponto somos convidados a entrar no quarto, do amor podemos saber, porque não podemos apreender. Podemos ver a cena de amor, porque dificilmente corremos o risco de nos entediar. Se a fantasia é capaz de gerar um “é só isso”, a amor nos faz querer saber mais, e falar mais, e não nos autoriza a nos satisfazer com totalidade.
E ela agora se sente sem controle, está perdida, chora. No amor aparece um “Não se sabe onde vai chegar, aonde pode ir”. Algo transborda, e não é o amor aquilo que não tem medida?
Muito engraçado ver a cena do próximo encontro, eles brigam, chegam a ser grosseiros um com o outro, ficam insatisfeitos um com o outro. Agora são um casal? O amor aparece como um terceiro na relação e a desajusta.
Não é uma típica tragédia romântica, como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, que no final estão fadados a não ficarem juntos por um mal entendido que leva à morte. Mas sim, a morte está ali presente no filme, logo no momento em que parecem ter o encontro mais apaixonado em que estão cheios de excitação. A tragédia do outro casal, do homem que tem um infarto e da mulher que se suicida faz lembrar a máxima romântica de que o amor não pode durar, não se pode fazer vida cotidiana se se quiser eternizar um amor.
Já como casal, ela faz o que fazem as mulheres, demanda uma declaração de amor. E ele, por outro lado, teme o ridículo. Ela diz que o ama, que pensa em envelhecer e juntar dentaduras... agora ele se surpreende, se emociona, chora, e se defende.
Juntos sem realizar a fantasia, sem nem mesmo alguma intenção sexual, conversam, contam suas falhas, ela tem fobia de aranha, ele de avião, ela tem um tique... ele a seduz, e ela mostra sua careta, e ele diz “agora, por um segundo você me deu tudo”. Agora ela lhe deu o mais íntimo, que certamente não era a fantasia sexual, ela lhe deu sua castração, aquilo que em si lhe causa horror, e ele a acolheu, e a amou.
E decidem que se amam, e querem seguir juntos... mas as palavras saem diferentes, justificadas pelo que imaginam ser o desejo do outro. Erraram?
Comentário apresentado no IIº Festival Psicanálise vai ao Cinema, em 14 de maio de 2011