quarta-feira, 2 de março de 2011

Homenagem a nossa querida Vanessa Nahas

Para que estamos aqui? Em primeiro lugar estamos para corrigir uma grave omissão de longa data: dar um nome a biblioteca. Ela, que vagava simplesmente como uma pária da Seção Santa Catarina pela internet, pelo EBP Vereda, AMP Uqbar, os e-mails, os boletins, os UM por UM, ou seja pelo mundo. Ela que circulava como mais uma entre outras diretorias, a diretoria geral, a de cartéis, tesouraria, secretaria, intercâmbio e até do conselho..., ela, no entanto, essa filha apócrifa, sem identidade podia se gabar de ter uma particularidade, seu acervo incluía figuras eminentes, a flor e a nata da psicanálise, sem esquecer, que essa é a sua missão. Missão que dada às condições não excluía certo mal-estar, pelo fato de ter que escutar a cotidiana ladainha pomposa; tem o volume 4 das obras completas de Sigmund Freud, o Seminário 5 de Jacques Lacan está emprestado? A última aula do curso de Jacques Alain Miller está na xerox? Ela tinha que escutar tanto belo nome próprio, sem ter nenhum. Por isso hoje a homenagem é para nossa biblioteca, um dia memorável. Ela vai se chamar Vanessa Nahas, e foi preciso que ela, a Vanessa, fosse embora sem a nossa concordância.
A homenagem, não sem luto, não sem dor, faz parte de nosso esforço de fazermos um bom uso dos momentos preciosos que compartilhamos com ela, como se anuncia o convite. Nasce quando a editorial da revista diz que fomos “todos seqüestrados de sua alegria, de seu amor e de seu desejo decidido pela psicanálise da orientação lacaniana do Campo Freudiano...”. Perdemos todos. E hoje não adianta nos reunir aqui para contar seus méritos curriculares porque os colegas, amigos e parentes sabem de seu esforço dedicado e leve. Nem adianta considerar seus méritos de caráter, atitude, humor, temperamento ou índole, como é de praxe, também os que a conheceram lembram. O que nos pode convocar hoje é seguir a trilha traçada por Vanessa e que temos a sorte de poder continuar. Ela própria que sabia que as palavras fisgam, capturam e prendem, nos deixou a prova.
Interessada em perseguir a trilha freudiana na obra de Mário de Andrade, o autor de “Macunaima”, destaca entre outros um texto chamado “Sequestro da Dona Ausente”. Nele Mário de Andrade estuda o folclore popular luso-brasileiro e as ressonâncias que teve na poesia brasileira. A Dona Ausente é o sofrimento causado pela falta da mulher amada pelos navegadores, de um povo de navegadores. Ele refere-se à presença, no nosso folclore musical, especialmente nas cantigas de roda, do tema da mulher que vem de barca, pelo rio ou pelo mar, ao encontro do cantor, que no folclore brasileiro transforma o mar em terra, e que ao invés de se externarem como desespero, metaforizam-se nas imagens e símbolos da poesia.
Vanessa no capitulo um intitulado “Seqüestro” disse... “Analisaremos o sequestro como uma operação que aponta para o processo enunciado por Freud como recalcamento, e a sua relação com as formações do inconsciente e com a sublimação”. O Mário diz estar convencido de que isto “não é mais que a sublimação da celebrada falta de mulher que o colono sentiu na América quando veio praqui”. A palavra sequestro, mais do que a idéia de afastar algo da consciência – que, desalojado do centro da cena, pressiona pelo retorno, conforme a definição freudiana da repressão ou recalcamento –, aponta para o sentido de “tirar do caminho usando a força (ou a sedução)”, implicando uma experiência que conota violência. Poderíamos, assim, pensar o sequestro como um saber desalojado, arrancado da cena violentamente. Com o termo sequestro, no caso do navegador e da Dona Ausente, Mário traduz a violência da experiência de separação dos amantes, que passa a expressar-se indiretamente, lateralmente, através das quadrinhas e cantigas do folclore luso-brasileiro, e isto porque mesmo considerando um tanto
exagerada a idéia, registra esta citação de Freud “No sonho é a criança que permanece com todos os seus impulsos.”
Vemos assim um outro sentido da palavra sequestro que por deslocamento, se associa a sublimação. Mário chama a atenção para o fato de que as cantigas de roda infantis são feitas por adultos, e que no fabulário universal há muitos exemplos de que induzimos os outros a fazerem aquilo por cuja experiência, por alguma razão, não queremos passar.
“Coisas de que a grandiosidade trágica desapareceu, purificada a premência da vida no círculo gracioso dos sustos infantis”. Outro “plus” que a noção marioandradina de seqüestro implica é o fato desta remeter a uma experiência de significado coletivizável, na medida em que o marujo e o colono recém-chegado transformam a saudade, o sofrimento, em quadrinhas e cantigas, passando do que seria uma experiência individual para uma experiência compartilhada.
Ela nos deixou o recado, transformar a dor da separação em invenção, em criação coletiva. Acabamos de inventar uma, transformar uma bastarda em filha, ela, a biblioteca, agradece e nós não estaremos mais sozinhos dela, ela tem um lugar não só no nosso coração.

No dia 17/12/10, aniversário de Vanessa Nahas, declaramos inaugurada a Biblioteca da Seção Santa Catarina - Vanessa Nahas

Silvia Emilia Espósito

2 comentários:

Ale Valentim disse...

Que lindas as suas palavras!
Viva Vanessa! em nossos coracoes.

Mariana Montibeller disse...

Parabéns pela bela homenagem à Vanessa, que será sempre lembrada com muito carinho por todos que a conheceram.