quinta-feira, 4 de novembro de 2010

ESTAMOS TODOS LOUCOS?

Provavelmente muitos de nós nos fazemos esta pergunta, quando somos atravessados por uma série de situações que se colocam no nosso cotidiano principalmente através dos noticiários de televisão. Hoje, assistimos absortos às mais diversas manifestações de algo que foge àquilo que até pouco tempo era, para nós, uma referência mínima em termos de como se estabeleciam certas formas de convivência. Dentre elas podemos citar as relações entre pais e filhos, entre professores e alunos, entre colegas de sala de aula e a relação com a própria vida. Esta última, então, se banalizou, a tal ponto que, para se matar alguém, basta uma simples briga entre namorados. Não faz muito que isto se resolvia, em grande parte dos vezes, com um ombro amigo no qual se podia chorar, por exemplo. O que nos aconteceu, então, que assistimos, nos dias atuais, a uma série de atrocidades, em escala nunca antes vista, em todos os campos da vida social? Na psicanálise da Orientação Lacaniana, atribuímos esses fenômenos ao que chamamos da “ queda do pai” , ou seja, a queda de um pólo organizador central que até então guiava nossas vidas. Jacques Lacan, psicanalista francês, que muito soube refletir sobre os tempos em que vivemos, caracteriza o momento atual da história como o de uma ordem social que se sustenta sem esse pólo organizador, de modo que a ausência dele dá lugar ao surgimento de uma ordem de ferro que é princípio de loucura para a subjetividade. Trocando em miúdos, estamos hoje sujeitos a um imperativo de “ satisfação a qualquer preço” e sem limites. O uso de drogas, talvez, seja um dos exemplos mais flagrantes disto, mas também o consumo desenfreado de objetos, a compulsão por jogos, as anorexias, as bulimias etc., são diferentes formas de manifestações ligadas a essa mesma questão. 

“ Somos todos Loucos?” , é também uma pergunta, e é o título da V Jornada da Seção SC da Escola Brasileira de Psicanálise. Será que há alguma relação entre este título e o que antes foi colocado sobre a queda do pai e as manifestações relativas a esta queda? Podemos dizer que sim, que ele se refere ao fato, justamente, de que todos nós estamos sujeitos, sejamos ou não psicóticos, os ditos loucos, a uma mesma questão, qual seja: como nos virarmos sem este pólo organizador central que até então guiava a vida da grande maioria de nós? “ Todos loucos, delirantes” é a provocativa fórmula do psicanalista francês, Jacques Lacan, já referido, que inspirou nosso título. Esta fórmula refere-se ao fato a de que todos nós nos deparamos com a impossibilidade de a tudo dar um sentido e, frente a isto, temos que fazer algo que é da ordem de uma invenção. Este fazer algo sempre é singular, sempre é ao modo de cada um. É isto que em psicanálise vai se chamar sintoma. O sintoma é a verdade de cada um. Pensar que o sintoma á a verdade de cada um implica em admitir que haja algo de incurável nele, no sintoma, e é com este incurável que temos que saber fazer. Nestes termos podemos dizer, "não há saúde mental” , “ somos todos loucos” . 

Talvez, neste sentido, a psicose tenha muito a nos ensinar, pois nela se torna evidente a necessidade de o sujeito constituir um sintoma, uma ficção para fazer frente às invasões que ele experimenta, por exemplo, as vozes que escuta. Na psicose isto é mais evidente, porque muitas vezes o sujeito não pôde ainda, inventar uma ficção, como a maioria de nós o fez, ou a que ele tinha ruiu. Talvez esta seja, então, a diferença entre a psicose e o que chamamos no Campo Freudiano a “ loucura generalizada” , pois nesta última o sujeito fez uma ficção, na psicose trata-se, muitas vezes, da necessidade de constituí-la. Mas, se se trata da necessidade de todos construírem uma ficção, neste nível podemos dizer “ todos loucos, delirantes” . 

Essas questões e muitas outras estarão no centro do debate da V Jornada da Seção Santa Catarina da Escola Brasileira de Psicanálise, com o tema Somos todos loucos? Que acontecerá nos dias 29 e 30 de outubro de 2010, no Centro de Eventos Sesc Cacupé, Rodovia Haroldo Soares Galvan, 1670, Florianópolis. O evento contará com a participação da psicanalista, Esthela Solano Suarez, professora da Universidade Paris VIII e membro da École de la Cause Freudienne/França. Ela fará o seminário “ O avesso do elogio da loucura” . Terá ainda, a Conferência “ O Sintoma na clínica do delírio generalizado” , com o Presidente da Escola Brasileira de Psicanálise, Antônio Beneti e o testemunho de final de análise do Analista da Escola (AE), Sérgio Passos Ribeiro de Campos e as mesas “ Verdade e loucura” e “ Clínica do delírio generalizado. 


Maria Teresa Wendhausen é Psicanalista, Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise

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