sábado, 26 de novembro de 2011

Atividade preparatória para o II Colóquio do Núcleo de Pesquisa Sobre Psicose

Texto: “Efeito do retorno à psicose ordinária”, de Miller (segue em anexo ou no site www.opcaooonline.com.br)
Por: Adriana Rodrigues
Data: 28/11/11, às 20h15
Local: sala 901, Rua Jerônimo Coelho, 280, Ed.Sudameris, Centro.
Informações: ebpsc@oletelecom.com.br, 3222-2962
Atividade aberta e gratuita

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Notícias do Ateliê de leitura do Seminário V

O Ateliê de leitura do Seminário V encerrará suas atividades deste ano com seu último encontro no dia 05/12/, às 17h, na sala 901 da sede da EBP/SC. Encerramos com o firme propósito de darmos continuidade a esta atividade no ano vindouro. Encontramo-nos neste momento da leitura, na altura em que Lacan retoma a formulação da Metáfora Paterna. Lacan afirma que o pai só pode ser introduzido por um dado de discurso. O pai não é visível, mas dele se tem pistas através do Nome-do-Pai, que só tem efeito na metáfora se coloca o desejo da mãe sob seu jugo, substituindo-o inteiramente.
A data de nosso retorno será divulgada pela Agenda da EBP/SC que sairá no início de 2012, ou poderá ser lida no boletim formulado pela Seção oportunamente.
Lembramos ainda que aqueles que não participam, mas que querem participar desta atividade ano que vem que leiam o Seminário até o capítulo X. Sugerimos também como leitura paralela, o escrito “A instância da letra no inconsciente, ou a razão desde Freud”.

Boa leitura!

Marise Pinto

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Conferência de Philippe Lacadèe - resenha de Eneida Medeiros Santos

Philippe Lacadée, Psicanalista, Membro da Escola da Causa Freudiana de Paris e da AMP, Consultor do CIEN e autor de “O mal entendido da Criança” e também de “Robert Walser – O passeante irônico”, esteve em Florianópolis no dia 26 de outubro para uma conferência do Núcleo Pandorga. Ele falou sobre “O que nos dizem as crianças e os adolescentes de hoje sobre seus sintomas”.
Inicia dizendo que as crianças e os adolescentes que encontramos hoje nos consultórios e nas instituições nos ensinam o que há de novo no quarto da criança, como dizia Freud, e quais as repercussões que isso tem na sua maneira de ser e nos seus sintomas. Para Freud, o comportamento das crianças depende daquilo que aconteceu em seu quarto, mas nem por isso ela deve ser desculpada. É aí, no quarto da criança, que Freud vai encontrar os objetos pulsionais, os objetos da demanda, oral e anal. Mas lá estão também os objetos do desejo que Lacan chama de pequeno a, o olhar e a voz. É através de seus pais que a criança encontra esses objetos, ou seja, eles dependem da relação do corpo vivo da criança com o Outro que se ocupa dela, com a palavra do Outro.
Entretanto, a criança tem uma parte da responsabilidade naquilo que acontece em seu quarto e é com isso que o psicanalista vai operar: com aquilo que foi o evento no corpo da criança, o significante que teve um ponto de impacto no corpo da criança e com seu pensamento, com o uso que a criança fez deste significante.
O quarto da criança de 1914 não é o mesmo do quarto da criança do século XXI, que é cheio de objetos gadgets que vêm no lugar dos objetos pequeno a e anulam a presença significante e desejosa do Outro, objetos que modificam a relação com o conhecimento. Eles permitem obter o efeito de mais-de-gozar, mas não falam.
Lacan pensava que o objeto gadget se tornaria um sintoma para a criança, e ela não aprenderia mais pela voz de seus pais ou de seu professor, ligando-se numa tela virtual para se aparelhar a um aparelho. A criança se tornou um tipo de cliente que muito rapidamente tem acesso a noção de propriedade privada. O problema é que a relação da criança com a demanda e o desejo fica perturbada. A criança não demanda mais, ela exige, e fica difícil para o professor ou os pais apresentarem-se como terceiros, portadores de uma palavra capaz de resolver a angústia da criança, de dar uma palavra àquilo que pode acontecer de enigmático no corpo ou no pensamento da criança. A criança prefere tratar sua angústia ou sua falta diretamente pelo objeto, que está próximo ao seu corpo, como se fosse uma parte dele e que depende da vontade dela, o que permite que ela não tenha acesso ao seu desejo. É aí que o objeto gadget se torna sintoma para a criança porque induz a um comportamento que corta a relação com o Outro. No lugar do sintoma como formação do inconsciente há mais um modo de vida, um estilo de vida no qual a criança está ligada ao seu objeto.
Se escutarmos bem a criança, observaremos que ela diz que o objeto serve para que ela invente jogos ou personagens. É preciso, e aí Lacadée cita Heidegger, dizer sim ao objeto gadget mas ao mesmo tempo não. A criança pode dizer para quê este objeto lhe serve. O príncipe moderno da adolescência, Arthur Rimbaud, alojava a verdade de seu desejo na sua alma e no seu corpo. Na hora atual aloja-se mais a verdade do desejo no corpo, aloja-se o gozo no objeto prêt-à- porter, sendo que é o objeto que goza do sujeito e não o contrário.
O problema dos objetos gadgets é que eles fazem crer que se pode recuperar aquilo que foi perdido para sempre. Todo sujeito se constrói a partir de uma perda, daí a importância de falar a um psicanalista, mesmo quando se é criança. A experiência da palavra endereçada ao Outro pode dizer algo além daquilo que se fala. É importante captar como se constrói para uma criança a relação com o objeto (complexo do semelhante em Freud) a partir do semelhante, o próximo que está aí para se ocupar dela e, até agora não se inventou nada melhor, que se chama uma mãe. A mãe é portadora dos objetos, mas ao mesmo tempo é portadora do tempo, do tempo que introduz falta, do tempo dela. É diferente ter relação com uma mãe como objeto, que é portadora de uma falta e de um tempo diferente do que ter uma relação com um objeto gadget que não tem o tempo dele, já que o tempo só depende da vontade da criança.
 O que acontece no quarto da criança é importante porque o objeto gadget, que a criança está ligada diretamente, escapa ao tempo do Outro. A criança vai ter cada vez mais dificuldade em aceitar o tempo do Outro. Lacadée diz que há aí uma discussão interessante: será que é mais importante o tempo da mãe, quando diz, por exemplo, “a comida está na mesa” ou o tempo da criança, que está ocupada com seu computador? O que mudou é o tempo da mediação do Outro, então, para que servem os seres humanos? Quem, hoje, perde seu tempo lendo e, principalmente, lendo em voz alta, uma historia para seu filho?
A época atual é aquela que Jacques Alain Miller chamou de modernidade irônica, na qual é mais importante o objeto do que a transmissão dos ideais, mas a repercussão disso é que se modificou a maneira de falar, é a tese de Lacadée que está no seu livro “O despertar e o exílio”, porque o adolescente, como diz A. Rimbaud, deve encontrar uma língua, sua língua, aquela que está conectada diretamente com sua sensação, e não aquela que vem dos outros, dos pais, já que o adolescente rejeita o que pode vir do Outro. Mas são os objetos gadgets que fazem autoridade para ele, pois demandar ao Outro pode produzir angústia, como atestam as fobias escolares e outros tipos de fobias.
 Lacan diagnosticava em 1964 o medo dos psicanalistas com relação aos sintomas que a criança apresenta e Lacadée diz: é aí que deveria se estar o futuro da psicanálise do século XXI, situada em relação ao que pode representar a criança. Lacan indica que é preciso se deixar levar a passeio pela criança, quer dizer, levar em conta o que a criança diz, mesmo no século XXI. O ódio é a impossibilidade de dizer algo do ser, justamente o que ocorre no momento da adolescência porque não há nenhum saber do Outro que vá dizer o que o adolescente deve fazer com a sua sexualidade. Poder falar com palavras é a maneira de bem dizer e os adolescentes de hoje, surpreendentemente demandam falar . A psicanálise favorece às crianças e aos adolescentes, com a condição de que o psicanalista não tenha medo do sintoma que a criança apresenta, não tenha medo do objeto gadget, que seu gadget ou seu sintoma fóbico  designem pontos do real e é aí que os psicanalistas têm medo. Os psicanalistas têm medo de olhar o real de frente e, na realidade, eles não fazem senão acolher o sintoma. Para saber o que preocupa os adolescentes é preciso dizer sim, seja ao seu sintoma, seja aos seus objetos, mesmo que eles sejam objetos insuportáveis para depois poder permitir que eles encontrem a forma pela qual cada um pode utilizar o gadget, como outrora a gente utilizava uma mãe ou um pai. A fábrica do cotidiano é isso, é saber como cada criança ou cada adolescente inventa o sistema de gozo ao qual ele vai se conectar. Antigamente se conectava mais a um pai ou a uma mãe, mesmo que em certo momento se separasse deles, hoje o objeto sempre chega antes dos pais o que faz com que a linha divisória jogue entre aquilo que é imposto e aquilo que é inventado.
A gente pode partir do diagnóstico de Hannah Arendt de 1954, quando ela dizia que os adultos não são mais responsáveis pelo mundo que eles oferecem aos seus filhos.  A criança é um enigma, enigma para seus pais e para ela mesma. Ela se faz perguntas como um pequeno metafísico. Quando Lacan lê as observações de Freud sobre o Pequeno Hans, ele diz que no fundo a criança é um lógico. Ela se faz perguntas essenciais e, não há muitas perguntas essenciais, sobre o sexo e a existência e, muito cedo a criança faz essas perguntas. Ela vai utilizar mitos ou invenções. Agora, por causa do objeto gadget, é menos fácil para ela utilizar essas questões, as quais os pais são sensíveis, porque, muitas vezes, ela está plugada, ligada ao objeto até mesmo antes de se fazer uma pergunta. O objeto lhe traz uma resposta muito antes que ela tenha a possibilidade de formular uma pergunta. E é o que Lacan dizia sobre a psicose, que o psicótico tinha a resposta antes da pergunta. Na nossa época, diz Lacadée, os objetos que os pais colocam no quarto da criança não permitem que ela tome o tempo lógico de fazer a pergunta.
É por isso que o problema dos objetos gadgets é que eles vêm muito rapidamente responder às questões essenciais de nossa sociedade que instalou o mais de gozar no lugar do querer dizer. É o que se deduz do último ensinamento de Lacan, graças à leitura que faz J.A. Miller. Estamos numa época que entendeu muito rapidamente que o querer gozar é o que domina o gozo e as crianças dependem disso. O risco é que elas percam o gosto de falar. No fundo a criança compreendeu que no mundo dos adultos, eles próprios não sabiam como lidar com a vida. A gente espera dos pais que eles mostrem aos seus filhos como a vida não é fácil de viver. É esta a verdadeira transmissão: demonstrar ao seu filho ou a sua filha como a gente se arranja com seu próprio gozo.
O problema dos objetos gadgets é que se tornam muito rapidamente objetos dejetos. Lacan retoma isso e demonstra o problema de que o ser humano, ele próprio é um objeto gadget. O que permite a cura analítica, o que permite devir um psicanalista é que desde si mesmo ele encontre o valor de objeto dejeto que ele foi, que poderia cair e isso permite que depois ele se ofereça para uma pessoa que venha lhe falar. Isso acontece porque ele encontrou este ponto de real na sua cura. Lacan pensava que os objetos gadgets não iriam animar o ser humano. Ele dizia isso em 1964. Mas é mais complicado que isso, afirma P. Lacadée,  “eu mesmo encontrei vários adolescentes que se tornavam animados através de seus personagens virtuais”. Lacan tem razão sim, mas quando ele diz que desses objetos pode se fazer sinthome. É preciso estabelecer a diferença entre sintoma, portador de uma mensagem que deve ser decifrada e o sinthome, que corresponde ao modo de gozar e, para alguns sujeitos, isso pode efetivamente servir para se nomear, nomear-se a partir da relação que eles têm com o objeto gadget.

Eneida Medeiros Santos- Membro da EBP e da AMP. Coordenadora do Núcleo Pandorga

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Amar uma mulher com orifícios não é para todos

"Querido diário

Hoje topei com alguns conhecidos meus
Me dão bom-dia, cheios de carinho
Dizem para eu ter muita luz, ficar com Deus
Eles têm pena de eu viver sozinho
Hoje a cidade acordou toda em contramão
Homens com raiva, buzinas, sirenes, estardalhaço
De volta a casa, na rua recolhi um cão
Que de hora em hora me arranca um pedaço

Hoje pensei em ter religião
De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício
Por uma estátua ter adoração
Amar uma mulher sem orifício

Hoje afinal conheci o amor
E era o amor uma obscura trama
Não bato nela nem com uma flor
Mas se ela chora, desejo me inflama

Hoje o inimigo veio me espreitar
Armou tocaia lá na curva do rio
Trouxe um porrete a mó de me quebrar
Mas eu não quebro porque sou macio, viu"


Esta música, de autoria de Chico Buarque, me instigou a pensar algumas coisas. Primeiro gostei imenso da letra, que me parece muito psicanalítica. No seu mais íntimo, pois é o que escrevemos no “querido diário”, ele nos fala de sua solidão. Essa imagem do cão recolhido na rua, abandonado, que ele recolhe depois que pessoas queridas lhe dizem estar com pena dele estar só, um cão que arranca pedaços, é uma bela forma de falar do nosso desamparo primordial. O pensamento subseqüente de poder crer no sublime, na religião, em algum culto que faz sacrifício com a ovelha, adorar uma imagem, amar uma mulher sem orifício, assexuada, pura, é sua tentativa de banir o furo do mundo, para poder arrancar o dele do peito.
Entre o horror do furo da solidão e o sublime, tensionado nesse lugar, conhece o amor trama obscura, que não é o amor romântico. O amor que Chico fala é o amor que a psicanálise fala, uma trama obscura onde desejo e gozo se espreitam. Achei interessante, pois temos de um lado a mulher sem orifício, esta dos românticos, a mulher impossível, assexuada, e do outro a mulher orifício, puro dejeto, a prostituta. Me parece que o que o Chico fala, assim como a psicanálise, é na construção de uma ligação entre ambas, que acontece exatamente pelo furo, que começa no peito do homem, que daí suporta o impossível feminino, podendo viver, não o amor romântico, o que tentaria “tapar” o furo de forma consistente, mas aquele que Lacan fala, “Amar é dar o que não se tem”. Este só faz um “velzinho” no furo, porque já está avisado da importância tanto do semblante quanto do próprio furo. Também, como homem moderno que é, ele não quebra exatamente porque é macio, e não duro e inflexível. Não quebra porque pode suportar sua própria divisão. Consegue amar uma mulher com orifícios.
A música é linda, ao invés de quebrar a imagem do Chico como o poeta que sabe falar como ninguém das mulheres, anexou o poeta que sabe falar bem também dos homens e sua solidão. Enfim, o poeta que sabe falar muito bem da condição humana, a da falta eterna que nos move!

Cinthia Busato - Psicanalista, correspondente da EBP-SC